domingo, 25 de maio de 2008

Maria...

Não irá ler concerteza estas palavras Maria, contudo não poderia deixar de as escrever, são para si, para onde quer que vá, ou onde já quer que esteja…
Não sei se nos voltaremos a ver, talvez sim, possivelmente não, “as intermitências da morte” que agora vive revelar-nos-ão esse destino. Já lá vai aproximadamente um século de vida Maria. Nunca tivémos uma relação aberta, nunca tivémos um carinho mútuo, ambos sabemos que é verdade. Nunca compreendi, desde que deixei de ser criança de onde vinha essa frieza, tamanho desapego, desprendimento, indiferença, enfim.. não o consigo descrever de forma sucinta. Sei que me percebe bem.
E o seu filho, que relação manteve com ele? Um século de vida Maria, e incrivelmente não deu sequer para construir uma amizade com nenhum de nós os três. Como é possível?! Várias vezes vos assisti a partilhar o mesmo espaço físico, a si e ao seu filho, e tão longe um do outro, culpa mútua? Talvez! Mas será que deu alguma abertura para uma aproximação? Acredite que o seu filho sofreu bastante com isso Maria. Eu não sofri directamente, não fui habituado por si a sofrer, passou-me ao lado se quer que lhe seja honesto, mas sofri pelo seu filho, sofri por saber o quanto lhe custou, e como nunca o soube exprimir, e sabe uma coisa Maria? Ainda hoje ele não o sabe fazer, não o sabe fazer comigo, não o sabe fazer com a sua nora, não o sabe fazer com o mundo… Mas acredite Maria muita coisa ficará lá dentro para lhe dizer, mas também só ele lhe poderá responder a isto.
Que final de século penoso por que passa agora Maria, agonizante o final da sua vida Maria. Para si creio que pouco, já pouco percebo por onde andam esses pensamentos, essa consciência. Para os outros, que assistem, devo dizer-lhe que o é bastante.
Maria, desde há alguns meses a esta parte, talvez desde que tomou consciência que a sua jornada neste mundo estaria perto do fim, que vejo que mudou, ou como costumo dizer, envelheceu… aproximou-se de nós, diz-nos que quer ir para junto de nós, que quer morrer ao pé de nós. Tantas vezes fala no meu nome Maria, e tem consciência agora que estou longe, físicamente estou longe, sabe que não posso estar do seu lado, acredite que se pudesse estaria concerteza, não por amor Maria, sabemos bem que nunca o construímos juntos, talvez direi por complacência, por respeito, por solidariedade. Com o seu o filho, reparei numa estranha forma de aproximação, quer da sua, quer da parte dele, parece que se reconciliaram, saiba que ele ficou feliz por senti-lo, e que nós emocionalmente mais longe de si, também ficámos, principalmente por ele, mas também por si. Foi gratificante para todos ver o seu filho beijá-la Maria. Se pudesse perguntava-lhe o que sentiu com aquele beijo? A ele não lhe perguntarei certamente, vou deixar esse vosso beijo só para vocês, mas posso confessar-lhe Maria, que tenho curiosidade. Mas ambos sabemos porém, que ele não me ía saber explicar, não se ía saber exprimir, iría utilizar aquela carapaça feita de uma racionalidade fria que lhe ensinou a usar desde pequeno para balbuciar qualquer coisa que se assemelhe a um sentimento de reconciliação. É gratificante ver que o seu filho já se aproxima de si, da cama onde agora, impávida e serenamente como se de uma outra Maria se tratasse, espera pela sua hora. Sabe bem senti-lo, sentir-nos a nós os três, não sabe Maria?! Um século Maria, e só no fim é que se revelaram sentimentos. Um século Maria, para aprender que o tempo não volta para trás, que o passado é passado e é inatingível. Porquê tanto tempo Maria? Tudo podia ter sido tão diferente.
Asseguro-lhe agora que parte, que pode ir em paz consigo, connosco, com o mundo, por nós garanto-lhe do fundo do coração que está perdoada, vá descansada, acredite em mim. Quando fechar os olhos pela última vez, esteja de coração tranquilo, acredite por favor que por cá guardar-se-á a imagem da Maria dos últimos meses. Acredite também que nos deu uma grande lição de vida com o seu século de existência Maria, ensinou-nos que o tempo não volta mesmo para trás!!!
Agora descanse Maria, já é tempo…
Até sempre!

3 comentários:

Anónimo disse...

Meu amigo, transmitiu toda a verdade. Interrogo-me porqùê? Porque alguns vivem a vida, sem transmitir emoç~~oes, sentimentos. É o caso. A si nunca lhe foi permitido sentir o "colo" quente da sua avó. Um beijo amigo, a cumplicidade entre dois seres, normalmente à revelia dos pais. Para sia a Maria é um SER entre a vida e a morte, que só agora lhe consegue, pelo sofrimento transmitir qualquer coisa, mais pelo sofrimento de quem a assiste. É sem dúvida uma lição de vida e a sua escrita também e talvez sirva de lição de vida a quem por acso a venha alêr!!! Obrigada

Anónimo disse...

Será que uma reconcilição no final da vida de quem nos deu a vida, chega para apagar o passado?Respondo que não. Ficam as mágoas, os desencantos e alguma frieza á mistura, passada nos génes, na vida mal-vivida entre dois seres da mesma carne feitos!!!

Anónimo disse...

Lei e releio este "post". Quando começo a lêr, sinto que estou a abrir uma porta, a entrar num espaço que não é meu. É tão íntimo, tão seu, tão sentido, que fico estranha... Não à situaçao em si, mas a algo que vai ficar, que se esclareceu. Vai ficar escrito e vai acompanhar a Maria para onde quer que ela vá. Disso tenhoa certeza!!!!