segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

A Joint Venture dos casais


Há já algum tempo que me foi enviado por email um texto do Miguel Esteves Cardoso intitulado "Elogio ao amor", que segundo o que consta foi publicado no Jornal Expresso, não posso deixar de o "postar" aqui também, esta é uma transcrição na íntegra do que me chegou.

"Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas. Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

Miguel Esteves Cardoso in Expresso

P.S. - Sem dúvida uma descrição bastante assertiva nos dias que correm.

8 comentários:

Anónimo disse...

Parece-me ser Uchideshi, um romântico nato, com sérias possibilidades de reabilitação!!!

Mas....O amor faz mesmo falta, continue a acreditar!!!

Uchideshi disse...

Em relação ao romantismo está bem explícito no tipo de textos que tomo como interessantes aos quais este pertence, razão pela qual o resolvi postar. Quanto à possibilidade de reabilitação o tempo o dirá e quanto e este já deixei de tecer comentários...
Relativamente ao amor de que me fala, sem dúvida que faz falta, direi mesmo imprescindível em qualquer tipo de relação que se construa com alguém seja a que nível for, contudo, não quero deixar de sublinhar que não é dos sentimentos em si que duvido, mas das pessoas que os "utilizam" sublinhando este verbo que acho bastante adequado para o caso!

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Lindo texto!Mesmo cansada,consegui ler com prazer.
A luta entre a certeza e dúvida,entre o eterno e o fugaz...mas o AMOR alegra os corações e gera sorrisos,alimenta sonhos e faz-nos sentir deuses nem que seja breve marca a existencia.
A audácia de abrir o coração e viver o amor sem restrições...oh!
marialuisa

Uchideshi disse...

Cara Maria Luísa,
Desde já agradeço o seu comentário neste espaço a que alguns chamam "blogoesfera".
Sem dúvida, que tudo o que me diz é verdade, contudo, gostaria de lhe deixar aqui um pequeno repto. Será que o que hoje em dia se sente é Amor, ou serão contractos sócio-económicos, paixões de conveniência ou coisas que tais?
Penso que a sua ideia de Amor, conceito por sinal insofismavelmente subjectivo, faz "cair por terra" as modorras atitudes das gerações mais novas. Pese embora o facto de já me começarem a pesar alguns cabelos brancos, ainda me quero inserir nestas gerações, contudo ainda por aqui se guardam alguns valores e atitudes, que não permitem esse tipo de entrega de que me fala.
Hoje pouco se valoriza, o abrir de uma porta a uma senhora, o facto de se ajeitar uma cadeira num jantar, presenciar uma senhora com uma flor mesmo que sem motivo calendarizado, enfim, pequenos, ou direi grandes pormenores de cavalheirismo.
Pois por aqui isso ainda se usa. E digo-lhe que estas gerações pouco ou nada têm desse tão famigerado savoir-faire, note-se que esta é uma opinião pessoal, pelo que, vale o que vale!!
Já agora se tiver tempo leia a crónica de António Lobo Antunes desta semana na revista Visão. Apenas se refere à parte do "todo" neste caso os Homens, perspectiva da qual devo dizer que discordo, gostaria que fosse tomado o todo pela parte, acho que seria sem dúvida bastante mais assertivo. E talvez menos injusto, digo eu!!!

Atentamente
Uchideshi

marialuisa disse...

Senhor uchidesshi:
Na vida social temos condicionantes culturais é verdade!
Contudo a condição de amar absolutamente, é a mais subjectiva, que só depende da vontade da atracção da empatia e de tantas outras vertentes, de "coisas" (de valor ínfimo,para a sociedade do Ter) que não saberia enumerá-las.Concordo que actualmente se vive para o ter e não em função do ser.
Por isso é posto em causa o amor autentico entre dois seres.
Nâo me preocupo em explicá-lo mas sim em vivê-lo.Lamento por quem se deixou envolver se desumanizou e perdeu a possibilidade de ascender a um patamar da existencia superior.
Obrigada pelas sugestões tentarei ler esse artigo.
Fico por aqui este tema é inesgotável e nem a soma de todos os conceitos "serve" para descrever...Amor.
Marialuisa

Uchideshi disse...

Cara María Luísa,
Aquilo que me diz ser o "amor autêntico entre dois seres" é uma "coisa" que se constrói com bastante tempo devo dizê-lo, e principalmente se revela nas situações mais difícies da vida. Aí é que se vê quem por cá anda verdadeiramente enamorado ou apaixonado na medida do possível. Isto é sem dúvida irrefutável. Possivelmente já o confirmou à sua volta no seu "círculo social".
Não quereria entrar em ideossincrasias de carácter metafísico-pessoal, contudo não penso ser o amor de que me fala o caminho, de todo, para uma valorização pessoal, pode sem dúvida ser um dos caminhos para a mesma. Porém terá de haver outro tipo de approach para "a coisa". É certo que todos nós já sofremos por amor, como tal não fujo à regra, quanto aos outros, pouco me preocupam já, nesta fase da minha vida, "cada um sabe de si e Deus sabe de todos" sempre o ouvi dizer. Não creio que se percam assim tão fugazmente oportunidades na vida no que diz respeito à valorização pessoal apenas por esta razão. O que está em causa não é o sentimento em si, mas como é notório nas suas declarações é um conjunto de atitudes que estão na formação de base das pessoas que obviamente reflectir-se-ão a este nível. Por cá ninguém se desumaniza ou humaniza, por cá acredite que se envelhece, não se muda.
No meu ponto de vista há que relativizar as coisas e pô-las no lugar onde merecem estar, e devo dizer que há conceitos que não se devem usar ao desbarato. Acredite que, quando for caso disso pô-los-ei nos seus devidos lugares.
Obrigado pela sua opinião, na medida em que serão sempre mais-valias para elucubrações futuras.