sábado, 26 de janeiro de 2008

Sou, logo existo ou … existo, logo sou?


Há já algum tempo que esta pergunta me perturba, o que somos? Não vou dizer que somos apenas “cadáveres adiados que procriam” até porque acho bastante redutora a imagem, embora tire sem dúvida o chapéu a quem a proferiu. Sugeriu-me um grande amigo, uma teoria interessante aquando numa bela “sabatinada filosófica” me disse que não somos mais do que aquilo que deixamos nos outros. Na altura concordei com a “pomposa sentença niilista-activa” curta e que me pareceu bastante assertiva. Nos últimos tempos, esta ideia tem-me assaltado o pensamento de uma forma recorrente. Certo é que, não consigo refutar por completo a dita sentença, contudo ao tentar esmiuçar esse pensamento outras definições que me parecem mais apropriadas me têm surgido. O que são os corpos já cadáveres que nas aulas vou explorando, investigando minuciosamente até ao mais ínfimo pormenor, tirando e repondo as carapaças musculares que cobrem fibras nervosas, tendões, ossos, etc.? A primeira coisa que me ocorre quando olho aqueles corpos que um dia foram “pessoas” é a Teoria Kantiana expressa no livro “Crítica da razão pura”, onde o autor diz que tirando, as cores, os cheiros, a forma, o peso, a textura, etc, o que sobra é tão somente o espaço que as coisas ocupam. Pois em parte é isso que sobra de nós, há quem lhe chame alma, os cienficistas chamar-lhe-ão vapor de água que pesa aproximadamente vinte e poucas gramas, os religiosos chamar-lhe-ão espírito e há quem lhe chame o espaço que a pessoa ocupa! É neste ponto que me vejo obrigado a concordar com a dita expressão dada por esse amigo. É que quando olho aqueles corpos que um dia já foram definidos como “pessoas” e tirando deles o cheiro, a cor, o peso, a textura, a expressão, etc, isto é desumanizando ou se preferimos desmaterializando a coisa, há dois espaços sem dúvida que eles ocupam. Um será obviamente o espaço que ocupam na mesa ali mesmo à minha frente, e esse para mim será desprezável, não é propriamente o motivo que aqui me traz a escrever este post, é sim o outro espaço que será “aquilo que deixamos nos outros”. Concluo portanto que aquilo que deixamos nos outros não será mais do que um espaço que ainda não consegui conceptualizar. Ora, se as experiências criam memórias, as memórias encadeiam-se e criam os pensamentos que por sua vez encadeados geram o raciocínio, atinjo então o ponto fulcral da questão. Onde é que fica o espaço que os outros ocupam em nós? Será nas experiências, nas memórias, nos pensamentos ou no próprio raciocínio. É que, enquanto existir alguém no mundo que usufrua do que outrem lhe passou por estes meios que cito, esse outrem continuará vivo, logo, quando vejo aqueles corpos não hesito em tratá-los como se de alguém vivo se tratasse, pois partindo do pressuposto de que nos abandonaram há pouco tempo, certamente haverá alguém no mundo onde eles ainda ocupam algum tipo de espaço. Como alguém dizia “se te queres tornar imortal, escreve um livro...”. A partir desta suposição, sou obrigado a concluir que esse espaço terá de ser racionalmente gerido por nós próprios, eliminado aqueles que em nós não merecem de todo o espaço que ocupam e aproveitando dos outros a máxima capacidade de “empacotamento” que possuímos, pois esse espaço como qualquer outro não será ilimitado. Há pessoas que mesmo com breves passagens na nossa vida nos ocupam um espaço tremendo, a essas chamar-lhes-ei sábias, às outras que não nos deixam nada de novo, chamar-lhes-ei “erros de casting”. Talvez este espaço de armazenamento de informação descentralizado a que chamam Internet (que aliás já foi posto em causa a sua viabilidade na capacidade de armazenamento de informação num futuro próximo, pela multinacional Nemertes Research Group) me permita viver para além da minha vida física se assim lhe quisermos chamar.
Não posso terminar este post, sem deixar de agradecer a uma amiga muito especial que se vai tornando uma assídua ouvinte deste tipo de monólogos onde tento chegar a algumas conclusões da vida, para ela sem dúvida um muito obrigado, é que parecendo que não, pensar em voz alta ajuda bastante!

P.S. – Espero sinceramente que este post mereça o espaço que ele ocupa...

2 comentários:

Anónimo disse...

Este post ocupa mais do que o espaço literarário do mesmo. Ocupa a sua mente, ocupa a mente de quem se digna pensar sobre o assunto. Será a sua futura profissão a faze-lo pensar sobre o assunto, quando se encontra debruçado sobre uma mesa de estudo com uns centímetros quadrados de matéria morta? Será o seu lado espiritual a pensar em tudo o que nos rodeia e enraíza em nós o bom e o mau, sendo este último que tentamos emendar mas está mesmo dentro de todos nós, não tenhamos ilusões!

Somos feitos do que somos e do que os outros permitam que possamos ser. Somos também contra a corrente aqulo que impomos, bem ou mal. E a diferença está aí. O legado daqueles que deixam qualquer coisa a alguém ou no seu máximo á humanidade e o daqueles que passam "ao lado da vida" e nada fica, não deixam "momentos" "palavras" "tiques" "mensagens" "AMOR" para quem vem a seguir. Esses não viveram, passaram por cá! Pelo modo que escreve e pensa você não vai ser um desses. Eu também espero não o ser. BONS PENSAMENTOS

Politikos disse...

Caro Uchideshi
Muito interessantes estas suas elucubrações sobre o sentido da vida e sobre a forma como permanecemos por cá para além dela. E acho que tem razão no que diz. Não pude deixar de me lembrar do momento em que descobri, por mero acaso, que o primeiro trabalho que publiquei existia na Biblioteca do Congresso. Lembro-me de ter pensado, quando deixar este mundo, ficará pelo menos aquilo ali... Há realmente muitas formas de permanecermos na vida para além dela...
Abraço